Sagrado no Egito Antigo e perseguido na Idade Média, o gato deve assumir o posto de bicho mais popular do mundo neste século. A chave para compreender suas múltiplas faces é a ciência, afirma o biólogo britânico John Bradshaw Em 13 de junho de 1233, o papa Gregório IX definiu o que era um gato. No documento oficial Vox in Rama, o gato preto foi descrito como “encarnação do demônio”. Antes disso, no Egito Antigo, o animal tinha status de sagrado. Em um passado ainda mais longínquo, o gato foi domesticado com uma única função, caçar ratos – e esse era o motivo de mantê-lo em casa até poucas décadas atrás. Como um bicho com tantas “encarnações” na história transformou-se naquele que deve se tornar o mais popular do século XXI? “Gatos intrigam a humanidade desde que passaram a viver entre nós. A chave para compreendê-los está na ciência”, afirma o biólogo John Bradshaw, pesquisador da Universidade de Bristol, na Inglaterra. Em seu livro Cat Sense (Sentido do gato), lançado em setembro de 2013 nos Estados Unidos e inédito no Brasil, Bradshaw usa as últimas pesquisas científicas para explicar o comportamento dos bichanos e defender a tese de que eles são os companheiros ideais para o homem da atualidade. Ainda existem mais cachorros do que gatos no mundo: são 335 e 260 milhões, respectivamente, segundo a consultoria de mercado internacional Euromonitor, em uma estatística de 53 países. Mas a população felina cresce mais do que a canina e, em nações como Estados Unidos, França e Alemanha, já é maioria. No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira de Indústria de Produtos para Animais (Abinpet), vivem 37 milhões de cachorros e 21 milhões de gatos. Na proporção em que aumentam nos últimos anos – duas vezes mais do que os cães – os bichanos devem assumir a dianteira do ranking daqui a dez anos, segundo a Abinpet. Popular, mas selvagem – Cada vez mais numerosos como bichos de estimação, os gatos permanecem essencialmente selvagens. Estão dentro de nossas casas, mas continuam com as quatro patas fincadas nas florestas onde seu ancestral, o Felix silvestris, caçava – e ainda caça – pequenos animais, sozinho e livremente. O motivo pelo qual gatos não são leais e obedientes como os cachorros é evolutivo. Domesticados há cerca de 11 000 anos, na Europa, os cães foram sendo moldados pelo homem. Aqueles que exibiam características mais úteis ao convívio humano – capacidade de caçar, pastorear rebanhos, defender territórios, fazer companhia – foram acolhidos, passaram sua herança genética adiante e são os ancestrais dos que conhecemos atualmente. Já os gatos começaram a morar dentro de casa há cerca de 4 000 anos, no Egito – embora convivam com o homem há aproximadamente 10 000 anos. Bradshaw diferencia gatos totalmente domesticados – aqueles que têm a reprodução controlada pelos humanos, como os com pedigree, minoritários – dos de rua, que se reproduzem sozinhos e têm o comportamento semelhante aos selvagens. Nas próximas décadas, com a intervenção humana na criação de novas raças adaptadas à vida doméstica contemporânea, os gatos provavelmente abandonarão algumas de seus traços selvagens. “Os gatos foram domesticados pela única razão de controlar o número de ratos. Interessava manter o seu comportamento selvagem”, disse Bradshaw.”Hoje eles são principalmente um animal de estimação, e acredito que ainda neste século seu processo de domesticação será completado.” É desejo recente querer que eles sejam apenas companhia e não matem os animais que entram pela janela. Até os anos 1980, muitos gatos domésticos ainda precisavam caçar para manter a dieta balanceada. Somente nessa época pesquisas científicas revelaram que gatos têm imperativos nutricionais diferentes dos cães – enquanto os cachorros são onívoros (consomem animais e vegetais), os felinos são exclusivamente carnívoros. Hoje, a indústria oferece alimentos que os deixam realmente satisfeitos – um passo essencial para que o impulso de caçar, que supre com a carne fresca de passarinhos ou roedores necessidades alimentares, possa ser controlado. Paixão por felinos – A explicação para o amor crescente dos homens pelos gatos pode estar em uma característica inerente à espécie. “Eles despertam em nosso cérebro um instinto de cuidado. Os traços mais óbvios que provocam esse fenômeno são o rosto redondo, a testa larga e os grandes olhos, que nos recordam um bebê humano”, afirma Bradshaw. Talvez seja por isso que, historicamente, gatos estão relacionados a mulheres e homens, a cães. Pinturas egípcias feitas há 3 300 anos mostram gatos sentados embaixo da cadeira de suas donas, enquanto cachorros estão sob o assento do homem da casa. Em Roma, a preferência era a mesma e, por séculos, os animais foram relacionados a divindades como as deusas Bastet, no Egito, Artemis, na Grécia e Diana, em Roma. Na Idade Média, especialmente depois da bula papal de 1233, a associação com gatos deixou de ser positiva: foram muitas as donas de gatos queimadas como bruxas. Essa adoração e perseguição ao longo dos séculos moldaram o comportamento e a biologia do animal, até chegar aos bichanos que hoje se enroscam nas pernas de seu dono quando estão felizes. “Os gatos são mais bem ajustados à vida moderna do que os cães. Eles não precisam ser levados para passear, podem ser deixados sozinhos por longos períodos e precisam de menos espaço”, diz o biólogo. A ciência também confirmou que os bichanos se vinculam primeiro aos lugares e depois às pessoas. Esse é um legado do animal selvagem do qual descendem, uma espécie fortemente territorialista. “Um gato precisa saber que está em um lugar seguro antes de poder expressar afeição por seu dono, mas isso não significa que ele não goste do proprietário. Sabemos disso porque eles se comportam com seus donos exatamente como com outros gatos dos quais gostam – cumprimentam levantando seus rabos e esfregam suas bochechas e costas um no outro.” Para o biólogo, a palavra certa para descrever a emoção que o gato experimenta em relação a seu dono é “amor”. As mesmas alterações hormonais que indicam que humanos sentem emoções se manifestam em bichos. “O senso comum diz que, se um animal que tem a estrutura básica cerebral e o sistema hormonal igual ao nosso parece amedrontado, ele deve estar experimentando algo muito parecido com medo – provavelmente não o mesmo medo que nós sentimos, mas medo de qualquer forma”, escreve em seu livro. Assim, Bradshaw se posiciona nos círculos científicos que afirmam que animais experimentam sentimentos como amor, medo, tristeza, alegria ou prazer. “Houve algo semelhante a uma revolução na ciência do bem-estar animal, que admite que todos os mamíferos, provavelmente todos os vertebrados, têm vidas emocionais complexas. Não só podemos usar esse conhecimento para evitar sofrimento, mas também para assegurar que todos os bichos, de estimação ou de laboratório, vivam mais felizes”, afirma. fonte: Veja]]>
Leave a Reply